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Teenage Dirtbag

yound adult na tarefa árdua de tentar ser alguma coisa de jeito.

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20 de Março, 2021

Feminismo, assédio e afins

Inês

- Uma tarde de outono, talvez há dois anos (pré-covid porque não havia máscaras), eu lembro-me de estar frio, tinha casaco grosso, calças e botas. Lembro-me porque tenho na memória pensar que estava toda vestida. Um homem mais velho, no comboio, sentou-se de frente para mim. Eu estava no telemóvel e quando levanto a cabeça, vejo que tem a braguilha aberta e algo muito estranho a ocorrer naquela zona enquanto ele olhava para mim. Desviei logo o olhar, de vergonha e nojo, levantei-me e mudei para a outra ponta do comboio.

- Uma noite fui jantar com as minhas amigas ao Santiago no Porto. Recordo-me que era setembro do ano passado porque marcamos jantar para lhes contar como tinham sido as férias. Eram praí 21h quando saímos porque o Santiago estava com fila e tínhamos que libertar a mesa. A Praça dos Poveiros estava a abarrotar de gente e mesmo no passeio do Santiago junto aos carros, um homem estava com o orgão genital de fora, a tocar-se e a olhar para nós. Eu avisei-as, abracei-as pelas costas e desviei-nos daquela situação.

- Há muito tempo já, talvez ainda nem tivesse 20 anos, na rua mais movimentada de Espinho, eu estava a caminhar pelo passeio. Havia imensa gente por todo o lado e vinha um homem apressado na direção contrária, meio a falar sozinho, parecia drogado ou talvez sofresse de algo do foro mental. No momento em que nos cruzamos ele estica a mão, apalpa-me o peito e ri. Foi muito rápido e acho que ninguém reparou. Eu desviei-me o possível sem ir para a estrada e continuei a caminhar rápido.

A verdade é que eu acho que sou uma mulher sortuda. Para todas as situações que eu já vivi, coisas pelas quais passei, andar sozinha durante a noite, madrugadas fora, confiar em pessoas que outras pessoas me gritariam para saltar fora, colocar-me em posições onde poderiam fazer de mim o que quisessem... eu poderia ter histórias muito piores para contar. Não tenho e por isso sou uma sortuda. Eu lembro-me destes três momentos na minha vida como aqueles em que de forma mais clara o assédio esteve presente. Olhares na rua, bocas, isso é sem dúvida alguma frequente. Com o confinamento menos, mas facilmente seria algo diário, passando por um grupo de homens no café, ou etc. Vou lendo, pela internet fora, testemunhos de raparigas e mulheres que têm situações destas como as três aqui de cima muito mais frequentes do que eu e isso é uma realidade que felizmente não me pertence. Falar ao telefone para ir "acompanhada"? Super comum assim como pensar estrategicamente sobre pontos de fuga, estar bem alerta... sim identifico-me muito com esses comportamentos. Por ser mulher e, não consigo determinar, se não as tomaria se fosse homem. Nasci nesta realidade, fui educada para ser assim, é-me difícil pensar que não faria isso se fosse doutro género ou se o faria apenas para estar alerta do que me rodeia.

O meu irmão gosta de me chamar feminista como se fosse algo pejorativo. Há uns fins-de-semana atrás eu perguntei-lhe porquê e mostrei-lhe o conceito e ele ficou surpreendido. Perguntou "de certeza?". Eu li simplesmente a definição que está no Priberam. Considero-o como uma pessoa muito bem informada, engenheiro, boa pessoa mas para ele feminismo era algo em que as mulheres se colocavam superiores aos homens. Uma ideia completamente desviante da realidade. "Ah mas o feminismo hoje em dia..." O feminimo é um conceito que está no dicionário. Não inventem. Outro amigo meu, entre conversas, atirou-me um "feminazi" pelo que eu perguntei porquê de ele dizer aquilo. Só me respondeu "eu prefiro o conceito de equidade, já ouviste falar?" como se eu fosse burra... Enfim... Eu na realidade até me senti embaraçada de ter que explicar. Sabem... vergonha alheia? Mas em relação a pessoas que vocês têm em grande consideração? E que simplesmente não estão bem informadas e que vos tomam a vocês por extremistas? E que explicar parece quase entrar num ringue de lama? E custa-vos... Mas por outro lado, hoje em dia estar mal informado é quase uma escolha. E portanto custa menos. Mas custa na mesma porque de facto são pessoas that really should know better. A falta de clareza e de informação é gritante e no meio de pessoas que eu respeito, que são intrinsecamente boas pessoas e que não colocariam nunca uma mulher numa posição frágil.

Na verdade, o que eu acho em relação ao meu irmão e a este meu amigo é que estão tão dentro do lado certo que nem veem os errados. Nunca colocariam uma mulher numa posição desconfortável, são as pessoas mais respeitosas que eu conheço (e eu posso confirmar pela parte sexual também, não há aqui qualquer lado obscuro!), pelo que, na ótica deles, é uma realidade desconhecida, inexistente e/ou muito menos frequente do que o que realmente se passa. Não é por mal, é mesmo por ignorância, quase por ingenuidade. Não é uma realidade com a qual eles tivessem ou tenham que lidar. E isto é difícil de se ultrapassar. Eu quase que sofro do mesmo mal. Tive três situações que me ficaram na memória mas nem sequer foram grande stress para mim. No dia senti-me incomodada por cada uma delas mas nos dias seguintes já não se passava nada. Aliás, eu nem sequer as disse em voz alta, nem ao meu irmão, nem à minha mãe, muito menos ao pai. Pensar em dizer isso em voz alta é muito estranho, muita vergonha na realidade. Iria-me sentir embaraçada simplesmente pela situação em si. E até porque não há objetivo em dizer isso. Mas também não há objetivos em dizer milhentas coisas que se dizem... E além disso, falar de um problema é torná-lo maior. É verdade... Na identificação do problema no geral, falar dele é bom, dando-lhe a dimensão o mais aproximada possível à realidade mas para cada pessoa que fala, que se expõe, não é uma sensação bonita. Se me acontece algo que me incomoda a esse nível, sinto nojo só de pensar no que aconteceu, de relembrar a imagem gráfica, então nem quero verbalizá-la, passo à frente só e ignoro. Como ignoro os olhares e as bocas. Ignoro só. Mas agora que escrevo acerca disto chego à conclusão que talvez eu devesse ter falado... Porque contribui para que eles achem que não é assim tão frequente. E agora que penso nisto nem sei como terminar este texto. Acabo de me aperceber dos meus próprios erros neste tópico.

Sem dúvida que todos na sociedade têm um papel essencial na redução destas situações. Os homens bons deviam estar mais atentos e abertos ao que os rodeia e perceber que é mais frequente do que o que pensam, as mulheres e raparigas que vivem as situações na pele, deviam falar sobre elas e dizer isto aconteceu e isto não me deixou confortável. E os homens estúpidos que têm a ousadia de interferir assim com o espaço de alguém... Não tenho uma solução para eles. Gostaria que aprendessem na pele o reverso da medalha mas... não tenho estudos para propôr ensinamentos.

E porque os conceitos importam e muitas vezes esquecemo-nos deles (até eu), vale a pena lembrar que:

feminismo | n. m.

Movimento ideológico que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem.

"feminismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/feminismo [consultado em 22-03-2021].

assédio | n. m.

1. Acto ou efeito de assediar.

2. Acção que consiste em cercar militarmente uma posição inimiga, geralmente durante um período prolongado ou que se calcula dever durar muito. = CERCO, SÍTIO

3. [Figurado] Comportamento desagradável ou incómodo a que alguém é sujeito repetidamente (ex.: o assédio dos paparazzi incomoda a cantora).

"assédio", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/ass%C3%A9dio [consultado em 22-03-2021].

assédio sexual
• Conjunto de actos ou ditos com intenções sexuais, geralmente levado a cabo por alguém que se encontra em posição (hierárquica, social, económica, etc.) privilegiada (ex.: aumenta o número de queixas por assédio sexual no local de trabalho).

"assédio", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/ass%C3%A9dio [consultado em 22-03-2021].

16 de Março, 2021

Irmãos

Inês

Eu tenho um irmão e uma irmã, sou a do meio. Durante a maior parte da minha vida fui a irmã mais nova mas depois eis que nasce um novo rebento, e apesar de ser apenas "metade" irmã, ocupou esse lugar por inteiro e passamos a ser três. Não foi de propósito mas a verdade é que as nossas diferenças de idades são de exatamente 14 anos. Eu nasci e o meu irmão tinha 14 e a minha irmã nasceu quando eu fiz 14. Cada um cresceu quase como filho único, na verdade. Eu cheguei a criança e o meu irmão andava na faculdade. Eu ia muitas vezes com ele para os convívios com os amigos e para o Porto onde estudava mas isso não é a mesma coisa que crescer junto, partilhar brinquedos a toda a hora, partilhar a atenção dos pais, etc. Nada disso. Diria que a maior parte do tempo brinquei sozinha e tudo ok com isso. A minha irmã está "pior" pois apenas vive com os pais mesmo e só estamos com ela uma ou duas vezes por semana.

Olho para a minha irmã creio que da mesma forma que o meu irmão olha para mim. Não consigo pensar um bocado mais nela sem chorar de emoção. É uma luz incrível, uma criança espetacular. Tenho um amor por ela enorme. É a melhor coisa que resultou do divórcio dos meus pais, de longe. Ela tem que ser feliz. E o meu irmão também. Os meus irmãos são as pessoas do mundo inteiro que eu desejo a felicidade acima de tudo. Partilhamos as mesmas circunstâncias, os mesmos pais, algumas dificuldades semelhantes. Temos personalidades muito diferentes, sobretudo eu e o meu irmão que já somos adultos formados. Já houve tempos em que nos demos mal, períodos de separação, outros de despiques e discussões mais frequentes, outros em que nos aproximamos imenso. Das coisas mais tristes que já ouvi na vida foi ele dizer-me uma noite ao telefone "Inês eu não confio em ti mas tu podes confiar em mim". Tinha eu praí onze anos, vivia sozinha com a mãe frágil e instável, poucos meses após o divórcio, era uma criança atirada aos leões, não sabia nada da vida. Além da questão óbvia de que a confiança é algo mútuo, aquele "não confio em ti" bateu-me de forma que até hoje me dói. Apesar de ter mais 14 anos do que eu, nem ele sabia o que estava a acontecer. Eu era criança à toa e ele era jovem adulto à toa numa realidade que nenhum de nós escolheu.

O meu irmão tem uma personalidade perfecionista, meio desconfiada do mundo em geral, com grande sentido de responsabilidade e muito exigente com ele próprio e com os que o rodeiam. Só percebi há umas semanas que ele era tão exigente, e sempre o foi, que não confiava na educação e no acompanhamento que os nossos pais me deram. Para ele há sempre defeitos e por mais pequenos que sejam ocupam o cenário todo. Ele diz o mesmo em relação à pequenita hoje em dia e, portanto, juntando algumas peças, percebi que essa é origem para o lado tão protetor dele em relação a mim e em relação a ela. Adicionando a sua personalidade, temos aqui uma receita complicada. Isto porque as consequências são graves. Ele eleva-as para um nível grave. O lado overly protective dele e a atitude de pai são uma coisa quando somos crianças. Mas quando nos tornamos adultos, tomamos decisões, avançamos em direções que não são as que eles querem e que idealizam para nós, torna a relação numa desilusão. Para eles. Não para nós. Porque nós (os mais novos) somos colocados numa posição injusta. Devemos-lhe muita coisa, agradecemos por tudo, parte de nós é resultado e reflexo deles, dos anos de crescimento. Porém há as experiências individuais, há feitios e personalidades à mistura, há um quê enorme que é só nosso.

Eu não sei como serei quando for mãe e, até, se algum dia esse momento irá chegar. No entanto, aquilo que entendo da parenthood e de irmãos mais velhos, como é o meu caso, é que o processo de educar, formar e contribuir para o crescimento de alguém, inclui nas últimas fases dar asas para os pequenos voarem e confiar que o nosso trabalho está feito e bem feito o suficiente para que possamos estar descansados quando eles seguem o seu caminho. Confiar. É exatamente isto. Sempre que a minha mãe não aceita isto e aquilo, sofre com uma saída ou outra, é reflexo da desconfiança dela tanto para com a minha pessoa e as minhas escolhas como para com ela própria no ato de me ter tornado o que sou hoje.

E quanto ao meu irmão igual. Se depois de uma discussão do alto dos seus 38 anos, a solução que encontra é abandonar, cortar contacto e afastar-se, e a única coisa que me diz é que está desiludido com aquilo em que me tornei e que não sabe lidar comigo... Eu não posso aceitar. Eu já não tenho 12 anos, nem 15 nem 18 sequer. Eu tenho quase 25 anos, sou uma mulher forte, que pensa, decide, opta, arrisca, aventura-se, vai sozinha, vai acompanhada, que comunica, que reflete, que faz asneiras, que as corrige, que fica triste, que fica feliz, que tem amigos, um emprego, que vive aqui ou ali, que tem medo às vezes e noutras nem por isso. Eu não tenho que enumerar nem que andar com um post-it na testa a relembrar tudo o que já fiz, todos os desafios, todos os trabalhos, todas as aventuras, todos os objetivos cumpridos. Se eles não se lembram que eu já tenho 25 anos e que já tenha uma vida e uma lista de feitos e de skills que estão permanentemente a colocar em causa... Honestamente entristece-me mas é o que é. Não está sob o meu controlo alterar essa perspetiva defeituosa. Secalhar eu posso ter 25, 30, 40 e 50 anos que ele vai sempre olhar para mim como a irmã mais nova, que não sabe nada da vida. De facto, tenho pena mas talvez eu também vá sofrer do mesmo mal em relação à minha irmã. Se assim for, eu espero lembrar-me de vir ler este post e relembrar-me de que quero estar lá para a minha irmã sempre, sempre, sempre e espero mesmo que ela me queira lá sempre, sempre, sempre. Serei tudo o que ela precisar. Agora para estar juntas, partilhar brincadeiras, jantares, dias de sol, piadas, danças e joguitos de tablet. Mais à frente, partilhar pensamentos de menina, aquelas inseguranças típicas, as novelas da escola, os grupos de amigas e os rapazes. E, em algum momento, sei que ela irá avançar sozinha e escolher caminhos. E espero que ela se sinta uma mulher forte o suficiente para o fazer de forma segura com a confiança que também espero conseguir passar-lhe. Não sei será fácil mas espero ter sempre a cabeça no sítio certo para o fazer. Porque acima de tudo, eu quero é que eles sejam felizes. São as minhas pessoas. E ter irmãos, pode ter momentos maus, mas é mesmo das melhores coisas do mundo e é o melhor presente que os meus pais alguma vez me deram.

10 de Março, 2021

little mess

Inês

Como sabem no que toca a assuntos romanticó-intimos, I'm a little mess. Em 2019 terminei uma relação de três anos e meio e foi, sem qualquer sombra de dúvidas, uma decisão acertada. Na altura, tremi muito. Eu própria estava desconfiada de mim mesma e sentia-me a caminhar ao lado de um abismo como se a qualquer momento fosse cair num mar de tristeza e solidão. O teste para mim era perceber se eu ficaria bem sozinha porque durante os anos de relação eu fui a parte "fraca", a que andava mais atrás, a mais dependente. Durante muito tempo pensei que nunca conseguiria terminar com ele e que, se por acaso isso acontecesse, eu teria que mudar de vida, de cidade, de trabalho, de país até, para suportar porque achava mesmo que emocionalmente era fraca. Não era nenhum caco mas a realidade era esta e as palavras são para serem usadas. Eu estava errada, sei isso perfeitamente, mas era a primeira relação and I didn't know any better. Sinto que todos à minha volta tinham o mesmo feeling. Não ajudava eu tremer de cada vez que falava nele. É difícil dizer que estamos bem se a nossa voz treme. Mas eu senti-me bem, segura com a minha decisão, apesar de ser algo novo para mim. O tempo foi passando e eu nunca caí, bem pelo contrário. Sei que isso também surpreendeu as pessoas e foi aí que eu notei o quanto cresci e evolui enquanto pessoa individual, enquanto Inês. Por isso, entendo hoje, que o tempo é mesmo a chave para curar muitas feridas emocionais.

Ao fim dos tais três meses, tive que o encontrar porque havia algo combinado já há muito tempo e nenhum dos dois quis desmarcar (a história engraçada é que três meses depois da separação fomos os dois sozinhos fazer uma viagem a Barcelona, passagem de ano, o aniversário dele, muito crazy eu sei, living on the edge). Fui e ainda me lembro do nervosismo ao vê-lo pela primeira vez em tanto tempo (eu sou uma pessoa nervosa em momentos sociais estranhos, portanto no news here). Os dias em Barcelona foram perfeitos e decidimos vivê-los como duas pessoas completamente apaixonadas. Em três meses, não tive ninguém e sentia a falta de uma presença masculina na minha vida, do afeto, dos carinhos, da parte física. No último dia decidiríamos o que fazer em relação ao futuro. A chama que se tinha apagado, reacendeu-se em força. Eu não queria voltar a namorar mas gostei daqueles dias, não o posso negar. Decidimos voltar a tentar algum certo tipo de relação, em segredo (damage control). O D. tem que dar nomes às coisas então chama-lhe relação aberta porque somos mais que friends with benefits mas menos que namorados. Eu não lhe daria nome nenhum.

2020 passou. Ali para o meio do ano eu esfriei e disse-lhe que já não fazia sentido continuar o que quer que seja que tivessemos. Ele não desistiu e disse que seria o que eu quisesse, que queria manter algo. Um bocado unfair mas eu fui totalmente honesta portanto decidimos ser o plano B um do outro. Ali Agosto foi incrivelmente bom e houve mais umas quantas passagens porreiras pelo que andamos nestas andanças até hoje. Ele é a pessoa com a qual eu mais me veria a partilhar uma casa, sim é. É uma pessoa com quem eu passo bons momentos, com quem posso estar 100% confortável, com quem já partilhei muita coisa, é certo. Sim sei isso. Porém há uma parte de mim, que é igualmente importante, que sabe perfeitamente que não quer lidar, de todo, com certas coisas dele que eu sei que estão lá. As pessoas mudam e a postura dele mudou, sem dúvida. A dinâmica da nossa relação inverteu-se, sem dúvida. Antes eu era a parte mais dependente, agora é ele e ambos sabemos. Ele conhece todas as minhas dúvidas acerca disto do amor, do "casamento", das relações, ele sabe que não me encaixo nem sequer procuro me encaixar. Que mantivemos isto na sombra por minha imposição porque... É muito melhor assim, não há compromisso estabelecido, não há deveres sociais, não tenho que lidar com a família dele, não tenho que ir a casa dele, não tenho que estar com os amigos dele, estou com ele quando eu quero e até onde eu quiser. Nem sequer temos que falar todos os dias, melhor ainda, não temos que ser exclusivos. E isto para mim é perfeito. Passou um ano inteiro e não discutimos uma única vez. E isso aconteceu porque eu não estou nessa onda, não me importo o suficiente para me chatear com o que quer que seja. E é aqui que os meus pensamentos voam para outro lado.

Ter terminado com o D. foi realmente a melhor decisão e isto nunca deixou de estar nítido. Nesse momento a tomada desligou-se (aka o amor acabou) e isso deu-me autonomia, independência, força, controlo sobre mim própria e as minhas emoções, segurança. Desapego. Parecem palavras bonitas mas foi mesmo isto que aconteceu. A arte de sermos desapegados às coisas, às pessoas, ao passado e ao futuro é linda de se aprender e traz-nos a tranquilidade que é um bem tão essencial e que eu não quero de forma nenhuma perder. Esse corte, essa falta de sentimento trouxe-me então o desapego e admito que apesar de passar muito bons momentos com ele e de até me visualizar a viver com ele e partilhar ainda muitas coisas com ele, não consigo definir qual o meu sentimento perante ele, quanto disto é amor. O desapego é sinónimo de falta de amor? Ser desapegada, não me importar tanto, significa que não é um sentimento tão cheio? Eu não sei.

Quando eu namorava, percebi que o amor era aquela química, aquele fluído de sensações num abraço, o dormir com a pessoa, acordar durante a noite e senti-la lá, essa sensação de felicidade, conforto e paixão a circular. Sim, se eu tivesse que definir o amor era nesses momentos que o encontrava.

Hoje em dia não sinto as coisas assim de forma tão intensa. O abraço já não tem tantos quimícos a fluir e dormir juntos é bom, claro, mas não tão bom como outrora. Isto quer dizer que sendo desapegada já não o amo tanto? Para o amar mais teria que me apegar novamente? Se é uma escolha eu vou ter que escolher o desapego. Não o troco por nada mais.

E, então, andamos meio em sintonias disferentes, apesar de eu ser totalmente honesta, às vezes até sinto que sou meia cruel e egoísta porque sei que há outras coisas que ele gostava de ouvir, mas não me importo de dizer simplesmente a verdade.

Enquanto eu ando a procurar campervans para comprar e cumprir o meu sonho de 2020, ele recebe alertas de T1s e envia-me a perguntar a minha opinião. Porque em alguns meses, na cabeça dele estamos a viver juntos. E isto é um berbicacho que eu tenho chutado para canto mas que, mais cedo ou mais tarde, terei que encarar. Não é que eu tenha alimentado falsas esperanças, não é isso. Só que na mesma medida em que lhe digo que até me via a vivermos juntos e que isso poderá acontecer, também lhe digo que o meu plano é acima de tudo sair de casa, deixar de viver com a famelga e até lhe disse que ele seria a solução fácil para isso e, estando consciente disso, que o meu subconsciente o poderia usar. É muito mais fácil dizer que saio de casa porque vou viver com ele do que dizer que saio de casa e vou viver sozinha, ninguém irá compreender. Vão me achar egoísta, já prevejo. A cena é que efetivamente eu quero viver sozinha, quero ter essa experiência, a liberdade, a privacidade. Tenho 24 anos, quero ter esse momento nem que seja só por uns meses. Viver com o D. pode acontecer uns meses depois, um ano depois. Se for para acontecer teremos a vida toda. Mas viver sozinha? That shit is harder. É mais fácil viver sozinha, arrepender-me e juntar-me do que o contrário. E também já lhe disse isto! Mas ele tem feito um bom esforço em ignorar. E viver junto significaria tornar pública a relação e eu não quero isso. Again, não quero, não preciso, não procuro. Estou bem assim. Quero aproveitar-me mais assim do que fechar-me já, apegar-me novamente, abrir a porta às expectativas, às desilusões, ao stress. Estou super bem e tranquila comigo mesma. Acho que ainda há tanto para viver antes disso.

Ainda não sei de que forma, mas num futuro próximo terei que lidar com esta situação. Lidar com a famelga quando disser que vou sair de casa, ou fazê-lo devagarinho, esperar finalmente comprar a campervan que tanto ambiono, decidir se me aventuro com o D. ou se me aventuro a solo. Espero que 2021 seja um ano de mudanças a nível de casa. A caminho em passos largos dos 25, chegou a hora de finalmente arranjar o meu espaço, o meu cantinho. Seja um quarto, um T1 ou uma campervan, o que eu quero mesmo é meia duzia de metros quadrados só meus.