A Feira
Então lá fui eu. Estes quatros dias de Feira têm muito que se lhe diga.
Em primeiro lugar, a questão do ambiente informal que prevaleceu entre colegas e o CEO aka Eng. RA aka Boss de nós todos. Eu já sabia que nos serviços externos o clima era naturalmente diferente do escritório. Na verdade, não posso dizer mal do chefão. Mesmo lá no escritório existe à vontade para conviver com ele. Mas estamos a falar de uma empresa de estrutura familiar, pois apesar dos seus 150 funcionários, a administração é toda família. E a ADM vem de raízes ricas então sente-se uma certa distância nos hábitos e estilos de vida. Só a título de exemplo, temos uma espécie de governanta que lhes faz o chá nas horas certas, descasca a fruta, entre outras regalias, e estes são os tipos de hábitos com os quais convivemos que nos fazem criar distanciamento para com aqueles que são superiores e têm o poder. Paralelamente, o big boss é porreiro, manda umas piadas, conversa e é acessível. Mas sempre com aquela confiança de quem pode dizer uma barbaridade e os restantes irão concordar. Em relação a isto, tenho vindo a notar (até porque sou novita em termos de média de idades lá na empresa e este foi/é o meu primeiro emprego a sério então a distância é mais difícil de superar) que o chefão também erra. Também lança ideias e emails que falham. Também diz coisas que depois vai-se a ver e não é bem assim. "Só não erra quem não trabalha", oiço isto desde início. E, ainda assim, acho absolutamente incrível o quão certo ele está na maioria das vezes e como consegue ter tanta informação na cabeça. Há muito mérito ali e competências das quais sinto estar a anos-luz. Ser insegura e pouco confiante são algumas das minhas características no trabalho. Já mo disseram e eu concordo. Sei disso. Das primeiras vezes que tive que enviar emails a grupos grandes de pessoas, pedi para outras pessoas lerem antes. Penso e repenso antes de abordar um certo tópico. Escrevo e apago, coloco nos rascunhos e elimino. É certo que me falta assertividade mas tenho tentado trabalhar nisso. E ver que ele também falha, ajuda-me a entender que é normal e pode acontecer. Mas bem, essa mudança para uma postura mais informal (minha e nos outros) foi das coisas que mais destaco destes dias. Tive que ter sempre cautela no quão à vontade me colocava e nas coisas que dizia. E mesmo assim acho que me estiquei mas também sinto que não tinha grandes alternativas. Ainda assim, muitas coisas ficaram sem resposta e muitas conversas sem continuidade. Sabe-se lá o porquê que as conversas iam sempre dar a temas "sensíveis" como por exemplo a comunidade LGBTQA+ e os seus desafios ou as desigualdade sociais. Ora, eu entendo que nem todos partimos do mesmo ponto de partida, nem temos contacto com as mesmas realidades e que a mentalidade se trabalha e é um work in progress. Não é segredo que há muito preconceito e, diria eu, ali logo na geração dos quarenta's ainda há muuuito trabalho a fazer. O chefão tem cerca de quarenta anos e não vê com nenhuma naturalidade a existência de gays, lésbicas, etc. Ora, eu entendo que ele não seja tão "aberto" quanto eu, por exemplo, ou outra pessoa da minha geração mas não consigo é simplesmente ouvir certo tipo de coisas e abanar a cabeça ou ignorar. E entre ficar calada e cair no silêncio (que é constrangedor também) entrei numa discussão saudável. Não creio que algo tenha mudado (também não foi o meu objetivo) além de apenas ele ter conhecido a minha posição mais sólida em certos assuntos. E quase pior que o tema do preconceito é irmos parar (por causa dele!) à questão do enriquecimento e aqui também não consigo estar calada. Defendi a minha tese que numa sociedade eticamente avançada (como nós e como ainda seremos daqui umas décadas talvez) não faz sentido haver bilionários num mundo onde há pobreza extrema. Não faz sentido haverem os dois extremos e há que impôr limites. Nesta conversa ele ficou sem argumentos e acho que se surpreendeu com o meu discurso. Posso ter abusado até porque falar de impôr limites a previligiados com um previliagiado-mor é arriscado mas falei (o meu chefe direto que é praticamente um amigo para mim pouco falou e tanto pode ser por estar cansado demais ou por já saber que não é boa ideia entrar nesse tipo de conversas). Pelo menos, assim ele ficou a perceber que sou mais do que a Inês que ele conhece, que estou atenta ao mundo, que não sou oca e não percebo só de transportes e encomendas. Isto já para não falar de todas as piadas preconceituosas e sexistas que tive que ouvir, estando a acompanhar dois homens. E eles até são bons homens e eu nem sequer sou ativista mas realmente é incrível como há tanta e tanta coisa que passa como normal e que, se virmos de longe e de outra perspetiva, só prolonga certos problemas da sociedade.
Mas enfim... passando para outros pontos importantes também. O hotel e os restaurantes foram outro dos destaques. Sempre com o chefão (qual pai e seus filhos) a entregar o cartão e a pedir a fatura. Provei pratos típicos espanhóis e bebi bom vinho, em restaurantes aos quais nunca iria com sopinhas de boas-vindas de Chefs e empregados que nos servem o copo. Passeei pelas ruas de Madrid de carro e ri muito. Também estive muito cansada. E adormeci no segundo dia (que falha do caraças) mas cheguei atrasada apenas 10min, só tive que abidcar do pequeno-almoço (muito triste porque pequenos-almoços de hotel são vida). Na primeira noite não dormi nada e nem sei porquê.
Depois na Feira em si, não sei bem o que pensar acerca da minha prestação. Segundo as palavras do Eng. só ia lá para ver o produto ao vivo, conhecer fornecedores, ver as tendências e observar o negócio de um ponto de vista diferente. Isso fiz tudo mas será que deveria ter feito mais perguntas? Dado mais opiniões? Apontado coisas num caderno? Ter estado menos com o telemóvel (mas e quem fazia o meu trabalho de escritório porque as chamadas chegavam na mesma)? Porque as pessoas só se destacam se fizerem além daquilo que seria esperado delas e nisso posso ter falhado (mas nem sei o que era esperado de mim...). Se há coisa que me senti, profissionalmente falando, foi pouco útil. Isso sim. Senti que não estava a fazer o meu trabalho porque não estava no escritório e que ali não tinha trabalho para fazer (ainda?). Mas depois penso que nem o meu chefe direto foi útil. O Eng. fez 90% da seleção, o meu chefe direto falou mais do que eu mas não muuuuito mais. Em proporção, sendo eu nova, até podia ter estado calada que a proporção estava certa. Somos três na equipa mas o Eng. faz praticamente tudo na escolha do produto. Ao longo destes dias apercebi-me que, neste momento, gosto muito mais de processo do que produto. Talvez mude no futuro, não sabemos. Mas eu até já tinha dito ao Eng. há um ano quando isto me foi proposto que eu não percebia nada de produto e me faltava o bom gosto. Eu fui transparente. E ele disse que isso se aprendia e o gosto pessoal não interessa, interessa comprar o que vende e o que adequa à nossa gama de produtos. Ok, tudo bem mas ele acredita mesmo nisso? Continuo sem gosto mas já entendo melhor a nossa gama e numa grande parte das vezes antes de ele escolher um produto eu penso para mim se ele irá escolher ou não e até acerto (mas eles não sabem porque fica só na minha cabeça). Já tenho referências só não sinto que sejam úteis porque quem faz a seleção é unicamente ele. E acerto apenas por uma questão de padrão. Conheço a coleção e qualquer pessoa veria o que encaixa e o que seria completamente fora. Mas as tendências terão que mudar eventualmente. Por isso, é que me vejo como uma pessoa muito mais de processo, de melhoria de procedimentos, de automatismos, de gestão de números e de pessoas, de exceis e de sistema. E não é uma questão de me ver só como mais de processo, sinto-me sem dúvida mais à vontade, tenho mais ideias e no geral sinto que me saio melhor.
No geral, esta foi sem dúvida, para mim, uma ótima experiência que quero repetir. Se acontece ou não, ainda não sei, terei que esperar para ver. E talvez esta semana receba mais algum feedback que ajude a compreender. Seja como for, o saldo é sem dúvida positivo.