A Assistente
Acho que ainda era Agosto quando o Eng. me chamou lá ao gabinete dele e me disse que tinha que me arranjar uma assistente. Isto porque estivemos numa reunião e o meu telefone não parava de vibrar. O Eng. percebeu que para eu avançar para certas tarefas teria que me tirar outras. Foi assim que começou. Entrevistei três jovens mulheres como eu e não gostei da sensação de ter que as testar e, de no fim, ter que selecionar uma delas e descartar as outras. Em conjunto com os RH mas com o peso das palavras do Eng. "A Inês é que sabe, você é que vai trabalhar com ela", selecionamos uma, a mais nova. O primeiro erro. Aceitou, ficou contente e depois no dia de aparecer, ligou a dizer que já não estava interessada porque tinha sido selecionada noutra vaga mais atrativa que a nossa. Compreendo e até poderia ter feito o mesmo. It's a wild market mas ficou registada a primeira falha e, ainda por cima, em frente a toda a organização pois o posto de trabalho já estava construído para a receber assim como a calendarização da formação, etc. Mas enfim. Avançamos para a segunda opção.
Isto da "assistente" deixou-me muito nervosa e foi motivo gerador de grande stress para mim nas últimas semanas. É, sem dúvida, um dos meus maiores desafios.
Eu sou uma pessoa naturalmente independente, autónoma, solitária até talvez e que gosta muito de controlar o seu espaço. Lá na empresa, trabalho sozinha e com toda a gente ao mesmo tempo. Isto é, não há ninguém que faça o que eu faço (ou fazia), não tenho colegas de equipa ou de departamento mas o meu trabalho envolve comunicar com dezenas de pessoas lá no escritório e armazém. Há dias em que estou constantemente ao telefone (até por isso é que sou das únicas além do callcenter que usa fones para poder estar ao telefone e trabalhar no PC ao mesmo tempo). Portanto, dizerem-me que teria que começar a dividir o meu trabalho com outra pessoa foi algo que me deu muito em que pensar.
Listei e categorizei todas as minhas tarefas de forma a perceber como iria dividir o trabalho e enviei para o meu chefe. Ele concordou. Talvez nem soubesse o tanto que me passa pelas mãos ou talvez tenha achado que eu estava a ser demasiado picky em relação a isto mas prefiro ficar mal vista por estar a ser demasiado do que o contrário. Depois, tive a dificuldade em entender se aquela pasta que lhe estava a designar seria suficiente para ocupar oito horas de trabalho diárias. E isso ainda estou a descobrir. Dias antes de ela entrar, estive quase que diariamente a planear o que transmitir e como transmitir. E agora que ela está lá, todos os fins-de-semana e noites, tenho-me sentado neste computador para fazer uma síntese do dia e uma previsão do dia seguinte. Deito-me a pensar no que vou fazer no dia seguinte, acordo, preparo-me e volto a pensar nas tarefas do dia, chego ao trabalho e vejo todos os emails a chegar e o telefone a tocar, e meio que congelo e me torno altamente improdutiva e começo a fazer uma lista mental (e muitas vezes escrita) das tarefas que irei fazer em casa porque em casa o ambiente é mais silencioso e sem distrações e começo a ansiar ir para casa, só para trabalhar! Chego a casa, vou fazer o meu desporto e volto a ligar o PC e a trabalhar. Vou dormir. Repeat. Acho que nunca fiz isto nem estive tão absorvida pelo trabalho! Estou a tornar-me em algo que sempre abominei. Mas também penso que esta deve ser uma fase passageira enquanto ela não ganha hábitos de trabalho e se torna mais independente. Sinto uma pressão bastante grande em ter outra pessoa dentro da minha esfera de trabalho. Acho que há várias razões para isto e algumas delas são menos boas. Sentia que isso poderia ser um risco para mim, ainda para mais porque ela é mais velha e poderia colocar-me em causa ou ao meu trabalho. Ou pode ser melhor do que eu e passar por cima de mim ali dentro. Ou poderia ter uma personalidade mesmo lixada como também já vi a acontecer. Ou ser simplesmente incompetente e dar mais trabalho do que aquele que tira. Pode acontecer uma série de coisas que não dependem inteiramente de mim. Há uma parte grande que depende de mim e estou focada em que essa parte resulte bem.
Na primeira semana, passei a estrutura geral na qual o trabalho é desenvolvido e os ensinamentos básicos que ela tem que reter na cabeça. Passei também algumas tarefas diárias e rotineiras mas que ajudam a perceber como as plataformas de trabalho funcionam. Nesta segunda semana de trabalho, passei alguns trabalhos de tratamento de dados de forma a ela conhecer melhor os serviços e os timings. E nestes últimos dias notei que ela já sentia um à vontade bastante maior em estar lá, falar com os colegas, deslocar-se na empresa e já tem dado seguimento a alguns assuntos de forma autónoma. Acho que falta muito sem dúvida mas os sinais têm sido positivos. Agora só espero que se mantenha assim e só surpreenda pela positiva. E que sempre que tenha dúvidas, fale comigo. E que tenha sempre esse à vontade. E que dê passos de inovação e não fique só à espera que o trabalho lhe chegue às mãos. Que crie, que sugira, que explore. Sinto que fiz isso e que isso me levou mais longe do que o que me estava destinado. E isso está ao alcance dela e de qualquer pessoa. O trabalho existe, há muito e cada vez mais (felizmente!). E a mim cabe-me manter e fomentar uma relação próxima mas de hierarquia (para não dizer autoridade que soa demasiado forte). E tenho pensado que também cabe a ela dar-me provas de que consegue executar o trabalho e passar-me essa confiança. Para mim o meu trabalho é o meu bebé. Já lhe dediquei muito tempo e construí bases sólidas naquela empresa. Perder o controlo faz-me um bocado de comichão mas sei que é necessário para seguir para outros voos. Sei que há coisas que não sendo eu a fazer, serão feitas de forma diferente, e não posso ser demasiado chata com ela sob o risco de perder a atenção dela para todo o resto. E é desta forma que a entrada dela lá na empresa é um desafio talvez maior para mim do que até para ela própria. E ela nem sabe disso.