Life Planner e um texto que se descontrolou
Vi um storie no Instagram de um casal conhecido e a sua Wedding Planner. Uma pessoa que lhes vai explicar, mostrar opções e concretizar tudo o que envolve essa coisa que é o casamento. Eu queria uma pessoa igual mas para a minha vida neste momento. Alguém que chegasse à minha beira e me arranjasse a cara e ficasse mesmo bem sem eu ter que decidir o que é bem. Que me dissesse quais os cremes que tenho que usar para estas manchas vermelhas teimosas desaparecerem. E quais os produtos indicados para o cabelo porque está uma miséria e detesto sempre que me olho ao espelho. Que me dissesse se ando a comer amêndoas a mais ou pão a mais e qual é o pão afinal que faz bem. Que me dê uma solução para as putas das minhas olheiras que não desaparecem mesmo a dormir sete horas há meses. Que me dê uma solução para a tensão nos ombros e para os tremores na cara (porque agora não é só na pálpebra, vai até ao musculo das bochechas). Que me prepare as refeições para eu ter uma alimentação de jeito porque à mãe nunca apetece cozinhar. E que vá ao mercado comprar as minhas coisinhas para o dia-a-dia porque a mãe estourou o dinheiro todo do meu cartão e eu continuo com o frigorífico vazio e ainda não acabou o mês. Que me ajude a organizar o trabalho porque pela primeira vez em anos consegui ter a caixa do Outlook a zeros (yey) mas depois o chef deu-me uma tarefa nova e tenho que descobrir um monte de conceitos novos e há merdas que não me entram mesmo na cabeça e sinto-me burra do início ao fim. E que acabem os estúpidos horários das 9h às 18h do escritório. Estou tão farta de ter um horário (eu sei, há coisas mt piores). As conversas de toda a gente são sempre as mesmas e irritam-me solenemente a níveis de me sentir a ferver por dentro.
E a minha mãe, a minha mãe, a minha mãe... A luz ao fundo do túnel continua a apagar-se e os gastos em vão acumulam-se. A conta não sobe há meses e todos falam que o próximo ano vai ser muito pior. Não consigo evitar chatear-me com a mãe porque me sinto sozinha nesta batalha de levar a vida de ambas para a frente. Mãe, o tratamento da acupuntura para deixar de fumar está a resultar? Filha deixa-me, não sabes o que é ter um vício. Mãe, podes ir buscar iogurtes? Só chego a casa às dez, não consigo ir eu. Não tenho dinheiro, transfere. Mãe, há jantar? Não me apetece, não tenho força nas pernas. Mãe, levanta-te, não podes ter passar os dias na cama. Inês, não imaginas como me sinto! Mãe, temos que nos sentar e fazer contas. Inês, não sejas egoísta, achas que não sei gerir o dinheiro? Mãe, temos que falar sobre assuntos sérios. Não é o dia. Nunca é o dia. Inês, tem calma, tem paciência, tu não sabes o que a tua mãe já sofreu, não podes exigir, não estás a ser compreensiva. Então qual é o meu papel? Podemos admitir já que a minha mae nunca vai ficar bem e vai sempre pior? Podemos parar de tentar? Estou muito cansada de tentar.
E o R. Gosto tanto dele. Quero-o tanto, todos os dias, todas as noites. E ele longe. Volto para casa, para uma cama vazia e isso é o que custa mais. Esse vazio, essa falta de afeto. Desejo mais e a impossibilidade de partilhar uma vida com ele cresce e deixa-me triste, frustrada. Entro na espiral catastrófica de que nunca vou encontrar ninguém com quem partilhar a vida.
E de repente sinto-me numb. Hoje deve o ser o dia mais feliz do ano porque o meu sobrinho nasceu. Quando soube, há meses atrás, senti uma felicidade imensa. Até me lembro de gritar na rua ao ouvir o meu irmão. Ontem o dia deles foi todo no hospital. O parto foi demorado e eu não senti nada. Procurei saber pouco (também sei que não gostam de muito atenção e preferem viver este momento a dois) mas eu não senti nada. Hoje acordo com a mensagem e a foto. E sinto nada. Estou avariada. Estou crashada. Estou buggada, como diz a minha irmã. E então penso é agora, tenho que ir ao psicólogo. Está toda a gente avariada à minha volta e os genes não estão a meu favor. Devia tratar antes que um dia seja demasiado tarde. E olho para a conta e o dinheiro, sabe-se lá como, só desaparece. E então acho que não devo meter-me noutra agora. E continua tudo confuso. Escrevo papéis, textos, listas, faço contas. Meto cá para fora a ver se fica mais vazio dentro. Não fica. Sinto tanto barulho à volta. Tenho procurado mais o silêncio. No carro, em casa, no trabalho. Desligo a música mais vezes. Procuro mais o silêncio. Sinto tanto barulho à volta. É tanta complexidade. Tantas coisas em que pensar. E depois sinto-me numb ao mesmo tempo. Não sinto nada. E quando sinto, choro.