Não há vacina contra a maldade, contra a guerra, contra a tristeza
Não entendo o conceito de guerra. Já o repensei centenas de vezes nas últimas semanas. Não entendo o conceito de vida pela pátria. Nunca vivi num país sem liberdade, sem democracia. Por isso não o entendo. E ainda assim fico emocionalmente destroçada cada vez que penso nisso. Cada vez que leio as notícias. Passado um mês, ainda não consigo ver as imagens sem me virem lágrimas aos olhos. Vivemos tempos em que a história é escrita. Primeiro, o covid e agora isto. E sabe-se lá mais o quê nos próximos dias, semanas, meses.
Este contexto de guerra atirou-me uma vez mais para a minha batalha interna em relação ao previlégio que é ter nascido onde e quando nasci. Pensar no previlégio é um assunto bastante em voga atualmente e tem sido repetitivo neste blog. Previlégio e sorte. Também já o disse que, muitas vezes enquanto crescia, não o sentia dessa forma e mesmo os últimos anos foram uma montanha russa de sentimentos. Porém, o azar ocidental é a sorte de outros mundos. E isto é como um murro que dou em mim própria várias vezes ao dia. Há uma culpa estúpida que teima em não passar e dou por mim a pensar que tenho que tornar essa consciência em ações. Fiz doações monetárias e materiais a associações e inscrevi-me na Bolsa de Voluntários do meu munícipio. Sinto que é insuficiente. E penso muito naquele que é o meu pequeno mundo. Durante alguns anos, ali na escola secundária e universidade, achei muito de mim. Achei que poderia fazer coisas incríveis: viajar muito com prepósitos solidários, estar inserida em grupos de ação, crescer e transformar-me numa adulta do mundo. Fiz algumas dessas coisas mas imaginem que até considerei no verão de 2017 ir para o sul de Itália como voluntária para um campo de refugiados. Era possível na altura. Depois acabei por não ir para um campo de refugiados e sim para um campo de férias de crianças numa cidade linda perto de Veneza. Entretanto, saí dessas esferas e entrei no mundo do trabalho numa empresa que não é uma multinacional. Cresci muito nesta empresa e tornei-me importante neste que passou a ser o meu universo. É outra escala daquela que eu previa. E a vida passou a ser uma To Do List diária, limpar e sujar e, garantir que os meus estão bem. E, tenho pensado muito nessa perspetiva. A minha responsabilidade neste mundo passou a ser garantir diariamente que a minha mãe está bem, a minha gata está estável, ver se o meu pai está bem-disposto e se o meu irmão se mantém no caminho de encontrar a felicidade. E ver a minha irmã a crescer que é das coisas mais maravilhosas. E, por um lado, penso que os meus sonhos de outrora não passaram de isso, sonhos, e tornei-me tão normal como todas as outras pessoas. Soa mal, eu sei. Mas não é mal intencionado. E penso que o dinheiro que hoje me facilita tanto a vida e dos que me rodeiam, não é meu mas sim está comigo temporariamente e é de todos os que me fizeram chegar aqui. E de todos os que não têm hipótese. É do mundo e de todas as pessoas que merecem e não têm.
Começar a falar da guerra e acabar falar de mim própria (uma vez mais) soa a egoísmo mas não há muito mais que se possa dizer em relação ao óbvio. Resta olhar para dentro e tentar o melhor no nosso pequeno mundo.