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Teenage Dirtbag

yound adult na tarefa árdua de tentar ser alguma coisa de jeito.

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16 de Abril, 2022

Sobre viver com depressão, sem a ter.

Inês

A minha mãe tem uma doença. Chamam-lhe depressão crónica e é uma grande merda. Sempre a conheci assim por isso sempre foi parte da minha realidade. Porém admito que há dias que custam mais. A ela claro e a mim também. Custam-me a mim porque lido com ela mas sem lhe poder mexer. É difícil chegar a casa e ver a mãe na cama. É difícil sentir a aura cinzenta quando se entra na porta. É difícil chegar a casa e não ter jantar nem comida porque não lhe apetece cozinhar nem comer. É difícil ter a casa toda de pantanas porque a mãe nem se lembra como é arrumar ou limpar, nem quer, nem lhe apetece. É difícil não ter uma casa fixe para mostrar, porque não está decorada com as decorações normais, só há paredes brancas e os móveis essenciais. Não há tapetes, não há cortinados, não há quadros. Quase que me esqueço que as casas normais têm tudo isso e mais ainda. Mas lembro-me quando sou visita de outras casas e outras famílias. É difícil acordar ao sábado, chamá-la para levantar, ir à praia caminhar uns metros e não mais porque ela não aguenta, chegarmos a casa e ela deitar-se logo porque está cansada. É difícil vê-la a ir fumar para a varanda, cigarros atrás de cigarros, em jejum, antes de ir dormir, em todos os momentos, todos sempre. Porque para isso parece que há motivação. E vê-la buscar aquele copo de vinho escondido no armário. Porque não há dinheiro para nada mas para isso parece que há. É difícil ter que pagar as contas, pagá-las a todas, pagar o psicólogo, as viagens de comboio e o que teima em aparecer do nada e mesmo assim a minha mãe quebrar em choro porque só tem oitenta cêntimos na conta. E então claro tranfiro um salário para a conta da mãe porque o dinheiro não tem valor parado e só interessa se for para a fazer mais feliz. Mas não passa. Agora chora porque a vida não é assim e sente-se inútil e um estorvo na minha vida. E aqui é a minha mãe e a depressão a falar. Porque a depressão é fdd. Tira a energia e a motivação para se fazerem coisas e depois entrega rios de culpa por nada ter sido feito. E é difícil ouvir a minha mãe adormecer a chorar e continuar a chorar a dormir. Porque nem a dormir os pensamentos negativos param. É difícil escalar este monte que é a vida com uma pessoa às cavalitas que traz pedras na mochila. Grandes pedras, e algumas estarão sempre com ela. E sei disso e nem sei se o esforço vale a pena. Mas se a alternativa é deixar cair, então não é alternativa e claro que vale a pena.

Há dias mais frustrantes. Hoje foi um dia deles. Em que só queria que houvesse um botão para eu desligar a negatividade que habita na mãe. São dias de muita contradição em que me esforço para compreender que são consequências de uma doença estúpida que controla a vida das pessoas, pior que uma perna partida. Mas custa pôr o nosso esforço e tentar orientar a vida de uma família, agora de apenas duas mulheres, e ser tão difícil. É muito frustrante. E penso em todas as possíveis soluções com a energia e a minha obcessão normais. E depois tenho que me lembrar que não posso exteriorizar porque a minha velocidade não é a mesma que a dela e só a assusta. E então mantemo-nos na inércia e num lodo à espera de melhores dias. Mas enfim. É uma parte da vida. Uma vida que se quer cada vez melhor. Eu sou muito descrente naquilo que não conheço mas só me resta acreditar que de facto melhores dias virão.

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